Brasil "perdeu o medo de estar na rua, só isso"

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As manifestações contra o aumento do preço do transporte público no Brasil entraram hoje na segunda semana com maior força e número de participantes, deixando para trás a fama de passividade dos brasileiros.

"A gente perdeu o medo de estar na rua, foi só isso que aconteceu", afirmou à Lusa um dos manifestantes, professor de artes visuais de uma escola pública do Rio de Janeiro, que preferiu não se identificar por já ter sido preso num dos protestos da semana passada.

"O aumento da tarifa é apenas o estopim para a revolta, que envolve remoções forçadas como a Aldeia Maracanã e a Vila Autódromo", acrescentou o professor, em referência a comunidades que foram ou estão em processo de realojamento em função das obras para os Jogos Olímpicos.

A manifestação, que durou cerca de três horas e reuniu mais de 100 mil pessoas, no centro do Rio de Janeiro, foi originalmente convocada para protestar contra o aumento das passagens do transporte público e em repúdio aos actos de violência da polícia, registados na semana passada.

Os investimentos feitos para o Mundial de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016, no entanto, também fizeram parte da reclamação do estudante de química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rafael Calazans, que se queixou do excesso de capital destinado aos grandes eventos desportivos, em detrimento de investimentos para a saúde e educação.

"Não é só pelo aumento da passagem, mas pelos nossos direitos. Enquanto está a sobrar dinheiro para a Copa [Mundial] e Jogos Olímpicos, quem paga a conta é a população", reclama.

Já o estudante do liceu, de 18 anos, Mateus de Abreu, recorda que a proximidade dos grandes eventos serve para chamar a atenção do mundo para o tema.

"Não são só os vinte centavos, se conseguimos agora baixar o preço, mostramos que o Brasil consegue qualquer coisa. A hora é agora, o mundo todo está a olhar para o Brasil", ponderou.

Nos cartazes, palavras de ordem conclamando a população às ruas, além de um alerta aos polícias que têm reprimido de forma violenta os estudantes - "Fardado, você também é um explorado", dizia um deles.

Os protestos, que têm tomado maiores proporções a cada dia, aparentemente crescem sem uma liderança específica, com a ajuda das redes sociais, nas quais desde anónimos até celebridades manifestam o seu orgulho por ver a população saindo às ruas.

"É a nossa oportunidade de mostrar, sem violência, que o poder está nas nossas mãos, mudabrasil", escreveu Bia Antony, ex-mulher do jogador de futebol Ronaldo.

Outros, bem humorados, faziam trocadilho com frases do Hino Nacional: "O povo brasileiro alterou seu status de: 'Deitado eternamente em berço esplêndido', para 'Verás que um filho teu não foge à luta'", comentou Patrick Camargo.

Nas ruas, no entanto, não faltaram também manifestações e bandeiras de partidos de esquerda que tentavam, sem sucesso, ganhar o crédito da grande mobilização.

"Sem partido! Abaixa essa bandeira", gritavam os estudantes, tentando garantir o apartidarismo da mobilização.

Nos edifícios da Avenida Rio Branco, por onde passou a manifestação, simpatizantes jogaram papéis picados pelas janelas, em apoio à causa. Outros, curiosos, acercaram-se para tirar fotos.

"No início, a manifestação por causa dos 20 centavos não me pareceu justa o suficiente, mas, agora, ver essa turma nova reivindicando melhorias dá muita satisfação", confessou à Lusa o advogado José Alexandre Machado.

Após três horas de movimento pacífico, a mobilização terminou com confronto entre a polícia e um pequeno grupo que se separou da grande massa gerando confusão. Os dissidentes apedrejaram o edifício da Assembleia Legislativa (Alerj) e atearam fogo a um carro.