Irlanda pede perdão aos soldados que lutaram ao lado dos britânicos na II Guerra Mundial

Irlanda pede perdão aos soldados que lutaram ao lado dos britânicos na II Guerra Mundial

Foi um ferrete que marcou milhares de vidas e assombrou as suas famílias durante décadas, mas que agora chega ao fim. O Governo da Irlanda vai pedir oficialmente desculpa aos soldados que, durante a II Guerra Mundial, se alistaram no Exército britânico e, no regresso ao país, foram condenados por deserção e tratados como traidores.

Em 1940, as feridas entre os dois países estavam ainda frescas – a coroa britânica aceitou a independência irlandesa em 1922, após dois anos de uma guerra de guerrilha, mas só em 1937 o país aprovou uma nova Constituição, adoptando a designação de Irlanda e desligando-se em definitivo de Londres. Apesar do fervor nacionalista, milhares de irlandeses decidiram lutar ao lado das tropas britânicas quando o Exército de Hitler invadiu a Europa e Dublin optou pela neutralidade no conflito.

Os que regressaram vivos pagariam depois as consequências, que foram mais pesadas para os cerca de cinco mil soldados do Exército irlandês, recorda o jornal Irish Times: uma lei aprovada em 1949 considerou-os desertores, decretou o seu afastamento sem direito a pensão e impediu-os de concorrerem a cargos na função pública ou acederem a apoios sociais. Uma punição a que se somaram o repúdio e os insultos de quem preferiu ficar.

“Tenho a certeza que o pai não se sentia envergonhado, mas eles fizeram-no sentir assim”, contou à BBC Paddy Reid, que nos últimos tempos foi buscar ao sótão velhas fotografias que o pai trouxe da Birmânia onde combateu com as tropas britânicas o Exército japonês. “Em miúdo, diziam-me, o teu pai é um traidor devias ter vergonha dele”, recorda Reid, que lembra também como o pai não conseguiu durante anos qualquer trabalho e como a mãe sofreu para cuidar da família. “Para ela era muito difícil ter de criar os filhos, não ter dinheiro e estar ao mesmo tempo a ouvir insultos”, recorda o homem, emocionado.

São já poucos os veteranos vivos, mas as suas famílias continuam a lutar por uma reparação histórica. Nesta terça-feira, adianta o Irish Times, o ministro da Defesa, Alan Shatter, vai pedir formalmente desculpa pela forma como os veteranos foram tratados no pós-guerra e o Parlamento deverá concluir a aprovação de uma lei de amnistia para os antigos soldados – o diploma deverá ser assinado pelo Presidente, Michael D. Higgins, nos próximos dias.

Além do fervor nacionalista, recorda a BBC, muitos irlandeses acreditavam que os soldados que partiam deixavam desguarnecidas as defesas do país. Entre os pertences do pai, Reid guarda a carta de um oficial com críticas à forma como os veteranos eram tratados no país, mas dizia compreender a indignação de quem sentira o país desprotegido.

Numa entrevista à televisão pública irlandesa RTE, o ministro da Defesa lamentou que a contribuição destes soldados para a segurança do país tenha sido “varrida da história”, dizendo que é hoje convicção dos historiadores que, se Hitler tivesse conseguido invadir Inglaterra, “a Irlanda era a próxima na lista”.

O gesto do Governo “é um reconhecimento de que experiência deles no pós-guerra foi injusta. Cumpriram uma pena que não lhes devia ter sido aplicada e esta amnistia vai remover o estigma”, disse à BBC o Peter Mulvany, o coordenador do grupo que há anos luta para limpar o nome dos veteranos.