Em memória de Dom Óscar Braga

Em memória de Dom Óscar Braga

As nossas vidas encontram-se em outubro de 1957. Óscar, de 26 anos, era um jovem agrónomo que, a poucas dezenas de quilómetros de Malanje, trabalhava na Colónia Penal da Damba, de onde regressava à cidade para passar os fins de semana com os pais e um irmão; eu, Casimiro P. Oliveira, de 24 anos, era um jovem sacerdote da Congregação do Espírito Santo acabado de chegar de Portugal e que fora colocado provisoriamente nessa mesma cidade de onde, após cinco meses, partiria para a Lunda-Norte.

Pudemos conversar numerosas vezes.

Óscar era um jovem cheio de vida e de entusiasmo; sempre em movimento; sempre disponível para uma actividade, uma festa e mesmo um par de dança; e ao mesmo tempo também sempre muito educado, muito próximo das pessoas, de fácil relacionamento; irradiava alegria, saúde e boa disposição.

Frequentava a Igreja paroquial de Malanje assiduamente; sentia-se “filho espiritual” dos missionários espiritanos da Paróquia e do Seminário; Deus estava a trabalhar nitidamente a vocação sacerdotal em seu coração.

Nos finais de 1957 foi criada a Diocese de Malanje; e em Fevereiro de 1958 foi sagrado e tomou posse o seu primeiro Bispo, Dom Manuel Nunes Gabriel; com ele o jovem Óscar se abriu e rapidamente foi tomada a decisão de nesse verão rumar a Portugal para, no Seminário dos Olivais, frequentar os estudos de Filosofia e Teologia em ordem ao Sacerdócio.

De regresso a Malanje no verão de 1964, foi ordenado sacerdote a 27 de Julho desse mesmo ano na igreja onde fora baptizado, agora elevada a Sé Catedral.
Nós dois voltamos a encontrar-nos em Malanje nos inícios de 1966. Durante oito anos vivemos na mesma casa, o Paço Episcopal; o Padre Óscar Braga era o secretário particular do Bispo e com o entusiasmo de sempre vivia o seu sacerdócio ensinando Religião e Moral no Liceu e na Escola Técnica, orientando grupos da JEC e da JOC., colaborando na direcção dos Cursos de Cristandade e, de um modo muito intenso, entregando-se de alma e coração aos jovens escuteiros: o Escutismo estava-lhe no sangue. Eu era Vigário Geral, Ecónomo e Administrador da Diocese e prestava também a minha colaboração nos Cursos de Cristandade, na Legião de Maria e durante alguns anos nas aulas de Religião e Moral.

Oito anos de contactos permanentes, em que se cimentou uma grande amizade e conivência. O Padre Óscar foi sempre igual a si mesmo no entusiasmo, na alegria, na convivência, na proximidade com os jovens, no forte empenho que punha em tudo que lhe era confiado e na facilidade de respostas e reacções imediatas.

A 7 de Abril de 1973 faleceu o segundo Bispo da diocese, Dom Pompeu Seabra. Para lhe suceder, foi nomeado Dom Eduardo Muaca, o qual, sabendo que os meus superiores instavam para que regressasse à Europa, escolheu em finais do ano o P. Óscar para no dia de Páscoa de 1974 me suceder como Vigário Geral.
A 20 de Novembro desse ano de 1974, em Roma onde eu então vivia, recebi a muito agradável e não inesperada notícia de que a Santa Sé acabava de o escolher e nomear para ser o segundo bispo da jovem Diocese de Benguela, orfã pela morte inesperada e acidentada a 13.10.1973 do seu Bispo D. Armando Amaral dos Santos A diocese de Benguela datava apenas de 13.06.1970 e não houvera tempo para ser organizada. Essa será a grande missão de D. Óscar.

Vai para Benguela pleno de coragem, entusiasmo, alegria, jovialidade, vontade de ser e estar sempre muito próximo de toda a gente e disposto a gastar-se inteiramente a bem da diocese que lhe era confiada. Foi sagrado bispo em Benguela e para Benguela no dia 2 de Fevereiro de 1975.

Os nossos contactos presenciais ficaram desde então limitados às vindas, pelo menos anuais, de D. Óscar a Portugal; mas a mútua e frequente correspondência trocada e as conversas com numerosas pessoas, especialmente missionárias, possibilitaram que eu pudesse ir seguindo, muito de perto, a actividade pastoral de D. Óscar Foram anos de inteligente e intenso trabalho que o esgotaram; e quando a 1 de Junho de 2008, por limite de idade, passou a direcção da diocese ao seu sucessor, Dom Eugénio dal Corso, podia estar satisfeito e realizado: a Igreja da Diocese de Benguela, bem estruturada, estava plena de vitalidade.

Sem, de modo algum, ter a pretensão de ser exaustivo, saliento algumas das suas principais actividades e iniciativas.

  1. Desde o início preocupou-se em construir e organizar a obra dos Seminários, em, por todos os meios, fomentar vocações sacerdotais e religiosas e nisso empenhando todas as forças da igreja, em estar sempre presente no acompanhamento dos seminaristas, querendo conhecer mesmo os nomes e vida de seus pais, conversando frequentemente com eles. Em poucos anos enche os seminários; e teve a graça de ordenar mais de trezentos sacerdotes. Para todos eles era um amigo, um pai. Até ao dia de hoje quando frequentemente me encontro com sacerdotes de Benguela a viver em Portugal, lhes ouço dizer: “o meu bispo é Dom Óscar”, embora sabendo bem que há muitos anos é apenas o bispo-emérito. Muito apreço, carinho, profundo reconhecimento de gratidão.
  2. Criação de dezenas de Paróquias e Missões dando à diocese uma rápida e espantosa cobertura de centros de evangelização.
  3. Forte apoio aos movimentos e grupos apostólicos, às Congregações especialmente femininas e a todos empenhando na construção da vida eclesial.
  4. Um carinho especial por todos os organismos e movimentos cristãos de juventude e com relevo para “os seus escuteiros”.
  5. A Promoção da Mulher Angolana na Igreja Católica, a PROMAICA.
  6. As Visitas frequentíssimas a todas as regiões da Diocese, para se encontrar com os agentes de evangelização e todo o povo cristão. E a todos estimular.
  7. A criação de instituições católicas de ensino, principalmente o Instituto Superior Politécnico Católico de Benguela (“ISPOCAB”).
  8. A valorização das Cerimónias Litúrgicas, cheias de vida e cor.
  9. A formação intelectual de seus sacerdotes, procurando a obtenção de graus académicos em várias universidades; e a abertura a que, dada a abundância de clero, muitos sacerdotes sejam enviados pela Diocese para apoio em quase todas as Dioceses angolanas e de numerosos países, entre os quais, Portugal.

Muito mais haveria a dizer. Até ao fim de seus dias continuou sempre a fazer o que lhe era possível para atender pessoas, aconselhar e colaborar na pastoral.
Numa homenagem que a 5 de outubro de 2018 lhe foi prestada no Ispocab ele declarou: “aqui em Benguela fiz precisamente o que eu sonhava: poder estar com cada um, ir a toda a parte possível e viver o mais próximo possível das pessoas”.

A sua saúde foi-se deteriorando nos últimos anos; e quase repentinamente chegou ao fim de seus dias. Levado de urgência para o Hospital Geral de Benguela ao começo da noite do passado dia 26 de Maio de 2020 já em avançada paragem cardíaca, terminou a sua vida terrena. Um gigante da Igreja em Benguela. Um apaixonado filho de Angola. A minha muito sincera e merecida homenagem.

Lisboa, 28 de Maio de 2020
Padre Casimiro P. Oliveira